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Duarte Mendonça

Um dos mais importantes divulgadores do Jazz em Portugal faleceu. Conheci-o como homem de paixões e convicções: gostava de Jazz, de carros e de viver. Teria defeitos, como todos nós, mas para mim foi o homem que fez o Estoril Jazz e isso bastaria. Conheci a sua música muito antes de o conhecer, e recordarei os concertos de Betty Carter, Frank Morgan, Charles Lloyd, Kurt Elling, Cecil Taylor, Miguel Zenon, Abbey Lincoln, Norman Simmons ou Chet Baker, como alguns dos momentos mais emocionantes da minha vida.

O seu amor pelo Jazz remonta aos anos 50, mas ele tornou-se conhecido como o homem que trabalhou com Villas Boas no Cascais Jazz a partir de 1974, que depois fez o Jazz Num Dia de Verão e o Estoril Jazz e pelo meio uma infinidade de produções um pouco por todo o país.

Apaixonado do Jazz americano, foi ele que trouxe a Portugal pela primeira vez Diana Krall, Cecil Taylor, Miguel Zenon, Kurt Elling ou Ambrose Akinmusire; mas entre as centenas de músicos que vieram a Portugal pela sua mão, estão também Kenny Barron,  Roy Haynes,  Kenny Garrett, Steve Turre, Cedar Walton, Ralph Peterson, Wayne Shorter, Dave Holland, Mingus Big Band, Gary Bartz, Charles Loyd, Chris Potter, Hal Galper, Bill Carrothers, Ingrid Jensen, George Coleman, Nicholas Payton, Terell Stafford, Mulgrew Miller, Lew Tabakin, Mc Coy Tyner, Woody Herman, Abbey Lincoln, Jerry Gonzalez, Bud Shank, Conte Candoli, Betty Carter, Phill Woods, James Carter, Kevin Mahogany, Danilo Perez, Ahmad Jamal, Joshua Redman, Lucky Peterson, Jimmy Smith, Lionel Hampton, Sonny Rollins, Sheila Jordan, Frank Morgan, George Cables, Hilton Ruiz, Reggie Worman, Buck Clayton, Hal Galper, Terence Blanchard, Clark Terry, Sir Roland Hanna, Kenny Burrell, Rufus Reid, Red Rodney, Norman Simmons, Horace Silver, Chet Baker, Lou Donaldson, Johnny Griffin, Eddie “Lockjaw” Davies, Bobby Hutcherson, Jackie Mc Lean, Carmen Mc Rae, Red Norvo, Chico E Von Freeman, Bobby Mc Ferrin, Buster Williams, San Francisco Jazz Colective, David Murray, Christian McBride, Oliver Lake, Reggie Workman e Andrew Cyrille, Jack Walrath, Anat Cohen, Harold Mabern, Gary Burton, Dave Douglas/ Uri Caine, e a lista é interminável. Quando o Estoril Jazz terminou, em 2015, foi um capítulo da História do Jazz em Portugal que se encerrou. Mas nós, que lá estivemos, teremos sempre a memória da alegria desse Jazz de que o Duarte gostava.

Acabei por privar um pouco com ele nos anos em que descobrimos que partilhávamos a mesma praia no Algarve, no início do milénio. Contador de histórias - e ele tinha muitas para contar e memória de elefante -, falava descomedidamente e sem dissimulação, e com vaidade. Tínhamos o Jazz em comum e as conversas embocavam amiúde nele, e enquanto escrevia estas linhas fui-me recordando de algumas dessas conversas e dos personagens e situações. 

Apesar dos gostos clássicos, não deixava por vezes de me surpreender, como quando me confessou ter apreciado o concerto de Cecil Taylor em Espinho; mas não gostava do Jazz eléctrico de Miles Davis. E tinha-se, como eu, emocionado com o concerto de Frank Morgan com George Cables. De outra vez, sem surpresa aqui, revelou-me uma admiração especial por Norman Granz. 

Ao fim de algum tempo os motivos foram-se alargando. Falávamos de coisas triviais, os fait divers, dos filhos, de comida ou do tempo; e um dia contou como lamentava ter trocado o velho MG, com a suspensão já demasiado dura, por um Honda desportivo, de dois lugares, que tinha trazido para o Algarve.

Mas hoje, não sei porquê, olhei o mar e lembrei-me de um momento em que os meus filhos brincavam nas ondas; a Ana conversava com a Mariazinha, e o Duarte estava ali, no toldo ao meu lado, sem dizer nada.

16 Agosto 2021